domingo, 19 de dezembro de 2010

Medo


         Encheu mais um balde de água. Era o terceiro que sua mãe lhe obrigava a pegar só naquela manhã. Isto a estava irritando, seus irmãos não tiveram que buscar água nenhuma vez. Tudo porque havia sido enganada por eles. Estava achando muito injusto isso, mas prometeu a si mesma que não choraria mais. Ficou sentada á beira do lago por uns segundos, olhando para céu e esperando as lagrimas não caíssem de seu rosto. Assim que se sentiu mais calma olhou seu reflexo no lago.
Podia não estar mais chorando, contudo seu rosto estava inchado e seus olhos vermelhos. Era tudo tão absurdo e não continha o choro. Seus irmãos sempre aprontavam com ela e a mãe sempre acreditava neles.
Botou a mão na água, desfazendo sua imagem, ela estava gelada, era normal que pela manhã a água estivesse gelada, mas agora estava muito mais do que há algumas horas. Um calafrio percorreu sua espinha. De súbito sentiu um medo avassalador. Tinha que sair dali, não sabia o que causava tanto medo só sabia que não queria ficar pra descobrir.
Pegou o balde e saiu correndo, não ligou para a água que caia, nem sabia porquê tinha pegado ele, talvez por costume. Correu. Passou pela trilha que levava á estrada. O medo ia passando aos poucos. Chegou a estrada. O balde já estava praticamente sem água.
A mãe não iria gostar disso, não mesmo.  Suspirou ainda correndo.
Dafne tinha dez anos, menina cheia de vida, com olhos intensos da mesma cor do cabelo, um castanho escuro e brilhante que ficava ainda mais belo em contraste com sua pele clara. Vivia com a mãe e os três irmãos, em uma casinha pequena deslocada da cidade. O pai morrera faz tempo, não chegou a conhecê-lo.
Graças a seus irmãos Dafne estava sempre em apuros, eles aprontavam e a culpavam, como a mãe estava sempre ocupada mal ouvia o que lhe falavam e como eles eram a maioria, ela acreditava. Então Dafne estava sempre de castigo, era comum ela ter que fazer os trabalhos domésticos ou coisas mais pesadas, como buscar a água.
Ainda estava correndo quando alguém barrou seu caminho. Era Chad. Seu irmão mais velho, tinha dezesseis anos e era o culpado por ela estar buscando água. Ele colocou um sorriso maldoso na face.
– Chad! Mano! Eu estava pegando água quando... – Começou a se explicar.
– Pelo visto vai ter que voltar, não? – Interferiu ele.
– Voltar? Mas, mano! A água estava tão fria e eu achei, bom... me deu um medo...
– Medo de água? – Perguntou ele com uma sobrancelha erguida.
– Não da água, eu tive a impressão...
– Não quero saber! A mãe vai ficar uma fera se tu não voltares com a água! Anda! Vai buscar e volte com uma desculpa melhor pela demora! – Chad interrompeu novamente.
Dafne ficou sem fala, não queria voltar. Ouvindo Chad falar pareceu mesmo que não tinha o que temer, mas mesmo assim, só pensar em voltar fez seu estomago embrulhar. Sem poder conter, as lágrimas voltaram a cair.
Chad revirou os olhos. Não ligava pra quando ela chorava, só achava irritante, mas mesmo assim pegou o balde da mão dela com brutalidade e saiu pela estrada sem olhar para a irmã novamente. Dafne foi esperta o bastante pra não agradecer, qualquer palavra sua provocaria uma raiva nele que ela não deseja atiçar. Ficou olhando ele até o perder de vista e voltou pra casa silenciosamente. Não podia ser vista antes de Chad voltar.
Viu Alex e Daniel, seus outros irmãos, brigando ou brincando, nunca sabia a diferença, na frente de casa. Passou por eles sem ser notada, entrou em casa e foi direto pro seu quarto.
Sozinha. Era assim que se sentia sempre. Não tinha amigos e seus irmãos não eram boas companhias. A mãe estava sempre fora e mesmo quando estava em casa era só para lhe mandar fazer mais coisas.
Não podia ir á cidade, era nova de mais e sua mãe não a levava com desculpa de que ia atrapalhar. Então sua vida se baseava em ficar naquela casinha e fazer o que lhe mandavam. Para seus irmãos era diferente. Eles tinham a si mesmos para brincar e ainda tinham a ela pra maltratar.
Ontem mesmo roubaram a única boneca que ela tinha e disseram que haviam colocado na floresta. Dafne não ficava sem a boneca e mesmo sendo noite se embrenhou na mata fechada. Não sabia se passou horas ou minutos lá, só sabia que ficou com medo e desesperada por sua boneca. E quando notou, Chad estava com ela, puxando-lhe pela orelha e a arrastando até sua mãe. Depois dessa teve que fazer mais muitas coisas, sem comentar ir buscar a água. E não teve a boneca de volta.
Mas agora não pensava na boneca. O medo que sentiu ontem pareceu até ridículo perto do de hoje. Por que saiu correndo daquele jeito? O que fez a água ficar tão fria? O medo foi da água?
Ficou um bom tempo pensando nessas perguntas, tempo demais. Ouviu a mãe chegar em casa e ir pra cozinha. Ouviu Alex e Daniel entrarem logo depois. E o tempo passou. E a pergunta chegou.
– Onde estão Chad e Dafne? – Perguntou a mãe.
Chad? Onde estava Chad? Ele já devia ter chegado. Passos soaram dentro de casa. E estavam se dirigindo ao quarto dela...
Agora a o medo foi diferente, se descobrissem que ela estava em casa iam perguntar pela água e se perguntarem pela água iam saber sobre Chad, aí ela seria culpada de novo.
Não pensou duas vezes. Saiu pela janela antes que abrissem a porta. Ia achar Chad antes que a achassem. E descobrir porque ele não voltou. Mas para isso teria que voltar ao lago. Gelou. Mas continuou correndo.

Um comentário:

  1. Muito bom ! Realmente impressionante e viciante .. só acho que não foi boa idéia você usar a palavra ''mano'' numa história com linguagem .. hm .. formal .
    Estou esperando mais posts !

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