segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

She


        – Por que me trouxe com você? O que é você Kaled? – Dafne perguntou empolgada com o fato de ele estar tão amigável.
         – Logo vais descobrir as respostas para todas as tuas perguntas. Não pense nelas agora. – Ele respondeu com calma. – Você deve estar com fome, não? – Kaled mudou subitamente de assunto.
         – Um pouco, sim. – Respondeu Dafne ainda sorridente. Ela estava gostando da mudança repentina em sua vida. Sentia por sua mãe e seus irmãos, mas nunca se sentiu tão viva como com Kaled e não se arrependeu de sua escolha.
     – E tem que se secar ou vai ficar resfriada. – Quando falou isso os olhos de Kaled brilharam em divertimento, como se lembrasse de uma piada interna. – Tenho um amigo que mora aqui perto. – Parou um pouco em sua fala como se para escolher melhor as palavras. – Esse meu amigo é um tanto rígido com algumas regras e você terá de lidar com elas por algum tempo.
           – Algum tempo? – Dafne perguntou confusa. – Você vai ficar comigo por esse tempo?
        – No inicio sim, mas não ficarei muito. Tenho que resolver umas coisas e voltarei mais tarde pra te buscar. – Os olhos dele demonstravam, pela primeira vez naquela dia, um certo carinho. – Esse meu amigo vai cuidar de ti e responder, a maneira dele, suas perguntas. Só lhe peço que seja educada e faça o que lhe é mandando.
          – Não estou gostando disso. – Admitiu Dafne.
Kaled aproximou-se bem dela e baixando a cabeça até sua altura, tocou o focinho na testa de Dafne e falou com voz suave:
         – Não se preocupe, Dafne, eu cuidarei de ti e quando precisar é só chamar por mim que eu virei, certo?
      – Certo. – Dafne respondeu incerta, mas com calma, o frio e a maciez do pelo dele a deixavam tranquila.
        Ele se afastou um pouco e deitou na grama quase congelada. O que era um convite para ela subir.
        – Por que me fez descer pra subir de novo? – perguntou ele se irritando e imaginando ser jogada em um rio de novo.
        – Para ver se ia conseguir descer. Seria constrangedor demais perto desse me amigo.
       – E qual o nome desse seu amigo? – Perguntou Dafne ainda irritada, mais já subindo nele.
       – She.
       – She? Que tipo de nome é esse? She? – Perguntou Dafne realmente curiosa.
      – Pergunte à ele. – Kaled respondeu alegre – Só não garanto que ele vá responder. – Kaled se ergueu e começou a correr.  
      Dessa vez a corrida foi mais curta e os levou para uma casinha simples. Dafne nunca se preocupou com a localização dos lugares, e por isso só teve noção de que estava bem longe de casa.  A casinha que ela via não lembrava em nada a sua, que era caída aos pedaços e mal conservada, a que via agora, embora pequena e simples, era bem agradável e bem cuidada.
    Quando Kaled deitou, ela conseguiu descer facilmente, mas não saiu de perto dele. Seguiram em silencio até estar bem perto da casa. Sem precisar dizer uma palavra, assim que chegaram a dois metros, um homem alto e com os cabelos um tanto grisalhos, mas ainda era forte e devia estar perto dos cinqüenta anos.
       Seus cabelos eram escuros, pelo menos em alguns fios, pois o resto já estava cinza. E seu corpo era esbelto. Estava com uma cara realmente séria quando veio recebe-los. Olhou para Kaled primeiro e só depois notou Dafne. Sua cara não melhorou em nada ao vê-la. Olhou novamente para Kaled um tanto confuso e ainda sério.
        – She, meu amigo. – Começou Kaled. – Quanto tempo que não o vejo!
     – Um bom tempo, realmente. – Retrucou She, com cara de quem não estava gostando muito do reencontro.
      – Essa aqui é Dafne. – Continuou Kaled, ignorando a antipatia do amigo. – Gostaria que ficasse com ela por uns tempos. É uma boa menina, garanto.
       – E eu teria escolha? – She perguntou parecendo realmente curioso.
     – Claro que não. – Kaled pareceu bem contente com a resposta que deu. E She suspirou irritado.
      – Entre, menina. Vou ver aonde podes tomar um banho e ver se acho algo para vestires. Esse animal, por acaso, a tocou em algum rio? – S He perguntou para Dafne enquanto abria a porta para ela.
      – Sim. – Respondeu Dafne sem sair do lado de Kaled. Aquele homem conseguia assustá-la mais do que o próprio Kaled. 
      – Entre, Dafne. Vou esperar por ti aqui, certo? – Propôs Kaled, sentindo o medo dela. – She vai dar o que comer e o que vestir pra ti. Ele é meio rabugento, mas é um homem de bom coração.
   – Rá! Muito engraçado, Kaled! Quando começou com essas piadas tão fabulosas? – Retrucou She irritado, que ainda estava com a porta aberta.
     Dafne olhou mais uma vez pra Kaled, e este acentiu. Então ela foi em direção ao homem que lhe deu passagem para casa. 
     A casa de She era bem aconchegante e até bonita. Tudo estava arrumado e limpo. She fechou a porta e passou a sua frente, indo em direção a outro cômodo da casa, sumindo da vista de Dafne, que ficou parada em frente à porta fechada.
    She surgiu em sua vista novamente, agora tinha uns panos em sua mão e disse serem roupas pra ela.
     – Aquele é seu quarto. – Disse apontando para o cômodo de que sairá. - Nele tem uma bacia com água pronta para um banho. Tome seu banho e depois venha comer, vou preparar algo.
       Sem dizer mais nada, foi para outro lugar.
     Dafne foi com calma até o quarto. Ele era bem simples, mas mesmo assim era melhor do que o que tinha na casa de sua mãe. O quarto possuía como moveis uma cama, uma mesinha, uma cadeira e uma bacia enorme.
     A cama esta logo abaixo da janela e de frente para a porta. A mesinha com a cadeira estava bem ao lado da cama. E a bacia estava no quanto esquerdo à porta. Dafne fechou a porta e foi ver a bacia. Como dissera She, a bacia estava cheia de água e incrivelmente morna. Para Dafne isso foi um convite maravilhoso. Tirou suas roupas e botou sobre a cama junto com as que o She lhe havia entregue, e foi para água.
      Morna. Isso era realmente maravilhoso, depois de todo o tempo que passou com Kaled, algo morno era o paraíso. Pouco a pouco suas pernas perderam o roxo que estavam pelo frio. O morno da água também ajudou a clarear seus pensamentos que estavam confusos pelo medo de Kaled e a emoção que passou desde cedo.
      A bacia era grande o bastante para ela ficar com a cabeça submersa. E assim ficou por um tempo. Pensou bastante no que aconteceu, e não viu nenhuma lógica. Porem soube de imediato que não fazia questão de voltar pra casa.
      Era bem tosco sair por aí com um lobo gigante e gelado. Se a mãe soubesse com certeza ficaria brava, mas ela já tinha notado que ele não pretendia devora-la. O que não mudava em nada o fato de que sua mãe não gostaria.
      Tirou a cabeça da água e por isso demorou um pouco para notar que estava chorando. Como sua mãe ficaria quando notasse que Dafne não voltaria pra casa essa noite? E quando a procurasse e não a achasse? Kaled correu realmente rápido, nunca que sua mãe ou seus irmãos iriam encontra-la, nem se quisessem.
     Um aroma gostoso passou por suas narinas e quase ao mesmo tempo seu estomago roncou.
        Saiu da água e foi ver as roupas que estavam na cama. Dentre elas achou uma toalha pra se secar. As roupas nada mais eram do que uma camisa enorme, pelo menos pra ela, e uma calça cortada para ficar do seu tamanho. Mesmo com o corte na calça não mudava o fato que a cintura era muito maior que a dela. Foi nisso que ela também notou uma corda sobre a cama. Usou-a para prender a calça.
       Achando-se ridícula com aquela roupa, saiu do quarto e seguiu o cheiro gostoso até o que devia ser a cozinha. She preparava algo no fogão a lenha e se notou a chegada de Dafne não demonstrou.
      Sem que ela pudesse controlar, seu estomago roncou. Isso despertou a atenção de She, mas quando olhou pra ela estava indiferente.
        – Sente-se, logo lhe sirvo algo pra comer. –  disse ele, voltando a olhar pro fogão.  
        Dafne não respondeu, mas se sentou obediente. Sentou-se em uma das quatro cadeiras de madeira que rodeavam a mesa. Está mesa se localizava no centro da cozinha, e era redonda a cadeira em que Dafne sentou estava de frente para janela. Ela olhou nervosa, mas não viu o que queria. Kaled.
       She colocou a sua frente um prato. Nele fervia uma sopa de ótima aparência, que fez Dafne se exaltar de prazer. Logo que She lhe entregou uma colher, começou a devorar a sopa. Não reparou em mais nada além de sua fome por um tempo. O prato ficou vazio, mas a fome não passara.
       She pareceu notar isso, recolheu o prato e serviu mais á ela. Desta vez Dafne se portou melhor, comeu com mais calma e olhando de vez em quando para She. Este estava parado de encosto a pia e não tirava os olhos de Dafne. Estudava-a em detalhes com seus olhos, eram olhos espertos e duros. Dafne não pode deixar de sentir mais medo.
         – Onde está Kaled? – perguntou Dafne para afastar o medo.
         – Lá fora, em algum lugar que não vá congelar minha horta. – respondeu She seco e sem tirar os olhos dela.
          – O que é Kaled exatamente? – Dafne perguntou criando coragem. Dessa vez ele desviou o olhar antes de responder.
         – Kaled é o que é. – começou ele meio confuso com a pergunta. – E não creio que esteja na hora de pensar nisso, mas cedo ou mais tarde vai saber, e prefiro que seja por ele e não por mim. – She concluiu por fim.
         – Ele disse que logo vai embora... – Dafne aproveitou. Ele voltou-se para ela novamente. – E que me deixaria aqui.
        – Sim, ele também me disse isso. – Agora She estava irritado. – Não tenho escolha quanto a isso, mas vou fazer o possível em sua estadia aqui.
          – E de quanto tempo estamos falando? – Dafne perguntou, chegando ao ponto que temia.
She olhou pra ela. Dessa vez seu olhar era mais calmo, como se soubesse o que a preocupava.
           – Não creio que voltarás pra casa, menina – disse ele por fim.
          – Não? Mas por que não? O que querem comigo afinal? Por que Kaled me trouxe aqui? – agora Dafne estava assustada e tremia. O choro ia voltar.
          – Kaled a trouxe porque acha que você é o que procuramos, e admito ter que concordar. Só não esperava tão jovem e isso vai nos custar tempo. – ele ainda estava com a boca aberta, como se fosse continuar. E continuou, mas com a face mais calma. – Termine de comer, e depois vá dormir um pouco. Essa corrida com Kaled deve ter sido cansativa, não? Deixe as perguntas com o tempo.
          – Está bem. – concordou Dafne, voltando a olhar o prato. Ainda estava confusa e com medo, mas não chorou.

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